Confesso que na última semana estive dividido. De um lado o meu eu jurista, que observa as coisas sempre pelo viés da legalidade e pela observância das regras do jogo no contexto democrático. De outro, o ser político que habita em mim e que enxerga a justiça do mundo para além de questões meramente legalistas.
O que causou esta crise existencial? A cassação de Deltan Dallagnol.
Então decidi usar esse espaço no Tamandaré Notícias para compartilhar com o público minhas inquietações. Nesse caso vou poupar os leitores de uma linguagem técnica jurídica rebuscada, para tratar do dilema implicado no caso.
Estou convencido de que Deltan foi cassado por uma decisão meramente política. A Lei da Ficha Limpa estabelece de forma muito clara que para a anulação do registro de candidatura seria necessário que contra o ex-membro do Ministério Público houvesse um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) aberto. Não havia.
Como ficou demonstrado por meio de Certidão juntada com o pedido de registro, não existia nenhum PAD aberto em face do ex-coordenador da operação Lava-jato. Existiam, sim, várias representações contra Dallagnol que estavam em processo de apuração preliminar e que poderiam redundar em processos. Aliás, não eram 15 representações como se noticiou na mídia, eram mais de 50, a maioria delas protocoladas por membros do PT. Daí veio o Benedito – acompanhado por meia dúzia de ministros - e votou pela cassação com base na presunção de que os procedimentos abertos contra Deltan redundariam em sua demissão dos quadros do Ministério Público Federal e que, portanto, o ex-procurador teria pedido exoneração para se livrar na inelegibilidade.
Permitam-me só um pouquinho de "juridiquês" para dizer que inúmeros julgados do próprio TSE apontam para a impossibilidade de interpretação extensiva do direito eleitoral. Isso porque, a sanção no caso é muito grave: a cassação de um mandato conferido pelo povo. Não que a votação popular, por si só, impeça que um mandato seja cassado, é que para a ocorrência da cassação, a afronta à lei tem de ser objetiva. No caso de Dallagnol a avaliação objetiva seria sobre a existência ou não do tal PAD quando do pedido de exoneração. Tudo o que foi avaliado para além não passa de ilação contrária à regra do jogo, no caso, a lei.
Porém Deltan Dallagnol provou do seu próprio veneno. Explico:
Na operação Lava-jato, de modo semelhante ao que aconteceu agora com o julgamento do DD pelo TSE, houve múltiplos atropelos à regra do jogo. Na ocasião, como ficou muito claro a qualquer operador do direito intelectualmente honesto, na operação capitaneada por Deltan foi utilizado um "código de processo penal" especial que existia somente na cabeça do ex-juiz Sergio Moro e dos procuradores do Ministério Público Federal. O famoso "Código do Russo", que estabeleceu um asqueroso esquema de compadrio entre procuradores e juiz, foi um verdadeiro atentado contra o Estado Democrático de Direito. Na ocasião, muitos direitistas defenderam que o fim justificaria os meios. O fim: prender o Lula. Os meios: rasgar o Estado de Direito.
Daí a inquietação que me acomete. Pois, se de um lado considero a decisão contra Deltan completamente arbitrária do ponto de vista jurídico, como considerei lá atrás muitas das sentenças da Lava-jato; de outro, reconheço que o próprio Deltan contribuiu para o primeiro impulso que colocou em movimento a balança da arbitrariedade. A partir desse ponto de vista se poderia dizer que a justiça se fez, independentemente do direito posto.
O problema é que justiça que pisa na lei não é justiça, é justiçamento. A Lava-jato fez justiçamento lá atrás e o TSE fez justiçamento agora!
Quando o que se avalia é a conveniência da decisão e não objetividade da lei, coloca-se o Judiciário na posição de moderador da república, o que no frigir dos ovos não é bom para ninguém, exceto para aqueles que usam as impolutas togas da impunidade. Nesse caso, o meu eu jurista precisa se impor e alçar a voz contra qualquer arbítrio, independentemente dos personagens atingidos. Àqueles que examinam as coisas a partir do que é mais conveniente politicamente para o momento, como fez a direita no passado e como faz a esquerda hoje, se impõe uma advertência democrática: A balança da arbitrariedade continua seu movimento pendular. Assim como ela foi e atingiu o adversário da ocasião ela voltará...
Opinião do colunista Agnaldo Borcath