Antes contrário à instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Investigação (CPMI) sobre os atos golpistas de 8 de janeiro, o governo mudou de postura nas últimas horas, depois do vazamento das imagens que mostram o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Gonçalves Dias, interagindo com vândalos no Palácio do Planalto na tarde da invasão da sede do governo federal.
Segundo o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, a orientação para os líderes que compõem a base governista no Senado Federal e na Câmara dos Deputados é que se posicionem de maneira favorável caso seja feita a leitura do requerimento que pede a abertura da CPMI na sessão do Congresso Nacional prevista para a próxima quarta-feira (26).
“As instituições estão funcionando de forma célere, cumprindo seu papel constitucional e vão continuar apurando até o fim para identificar os responsáveis pelos atos de 8 de janeiro. Fizemos a análise da nova situação política pelo vazamento de imagens com servidores, terroristas, agentes civis e militares dentro do palácio do Planalto. Na nossa opinião, isso cria uma nova situação política”, afirmou Padilha a jornalistas nesta quinta-feira (20).
Antes da nova estratégia ser divulgada pelo governo, na terça-feira (18) o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que constitucionalmente também exerce a presidência do Congresso Nacional, atendeu o pedido dos líderes da Maioria pelo adiamento da sessão prevista para esta semana, sob alegação de que não haveria tempo hábil para a análise do projeto que garantirá a margem orçamentária para o piso da enfermagem. O adiamento causou protestos de parlamentares da oposição, que defendiam a realização da sessão para a leitura do requerimento da instalação da CPMI.
O pedido foi protocolado pelo deputado federal André Fernandes (PL-CE) no fim de fevereiro. E de acordo com publicação feita pelo parlamentar nas redes sociais, atualmente conta com o apoio de 218 deputados federais e 37 senadores. Pelo regimento do Congresso Nacional, para abrir uma CPMI é necessário apoio de pelo menos 171 deputados federais e 33 senadores.
Antes da divulgação das imagens envolvendo Gonçalves Dias, o governo se esforçava em evitar a abertura da CPMI, sob a alegação de que o início dos trabalhos no colegiado poderia prejudicar o avanço de temas considerados prioritários pelo Executivo no parlamento, como o arcabouço fiscal e a reforma tributária.
A preocupação era que a agenda econômica perdesse espaço no debate político e o empenho em apagar incêndios drenasse energia da base governista, afetando inclusive o andamento das comissões mistas que tratam de medidas provisórias.
Segundo apuração da agência Reuters, o governo acreditava ter ganhado algumas semanas de fôlego para conter o ímpeto da oposição. O objetivo era ganhar tempo para avançar com a liberação de emendas parlamentares, assim como as nomeações de cargos de segundo escalão – um processo lento que tem atraído a reclamação de parlamentares. A ideia é que os movimentos pudessem convencer congressistas a retirar assinaturas dos requerimentos para instalação das comissões investigativas.
O plano, no entanto, caiu por terra com o vazamento das imagens de Gonçalves Dias e outros militares interagindo com vândalos no Palácio do Planalto na tarde em que ocorreram os ataques golpistas na capital federal, alimentando uma narrativa conspiratória patrocinada pela oposição bolsonarista.
“Em nenhum momento a CPMI vai interferir no calendário de aprovação das MPs pelas comissões mistas. Continuam as tratativas de transformar MPs em emendas, e o calendário para aprovar o mais rápido possível o marco fiscal. Presidente da Câmara e do Senado já se comprometeram em manter esse calendário”, afirmou Padilha nesta manhã.
Na quarta-feira (19), após a oficialização da demissão do chefe do GSI, o líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), já indicava a mudança de orientação do Palácio do Planalto, ao afirmar que aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) queriam apuração “ampla, geral e irrestrita” da CPMI para investigar as circunstâncias dos ataques às sedes dos Três Poderes.
“Ninguém mais do que o governo quer investigar o 8 de janeiro, doa a quem doer. Se o Congresso quiser instalar a CPI, estamos prontos para ajudar, inclusive para investigar”, reforçou.
Nos bastidores, a percepção é de que a instalação da CPMI tornou-se inevitável e o custo político para evitá-la é muito elevado. No Planalto, ainda há avaliações negativas sobre o processo, entre eles a necessidade de direcionar energia e tempo ao tema, em um momento em que as prioridades governistas dependem da obtenção do apoio necessário dos parlamentares.
(com Reuters)