As capivaras ocuparam muito espaço na mídia nos últimos dias. Aliás, esses roedores foram protagonistas tanto no noticiário nacional quanto no de nossa cidade.
Todo o Brasil se comoveu com a história de Filó, a capivara de Agenor Tupinambá. O influencer do amazonas que viralizou por compartilhar sua rotina com o animal foi notificado pelo Ibama, com base na Lei de Crimes Ambientais, por suposta exploração de animais silvestres em redes sociais. Em Almirante Tamandaré, o vereador Roque Luiz (PL) também trouxe as capivaras aos holofotes. O nobre edil arrancou risos de todos os presentes na última sessão da Câmara ao indicar para o Executivo a necessidade de se fazer a esterilização dos mamíferos semiaquáticos da cidade.
Tupinambá e Filó, descontando-se alguns exageros sensacionalistas na forma de se contar a história, despertaram a solidariedade da maioria das pessoas, em razão da notória relação de afeto entre homem e capivara. Embora tenha havido, em tese, uma violação da legislação ambiental por parte do youtuber, não se pode negar que o animal sempre foi bem tratado sob seus cuidados. O caso nos permite, inclusive, refletir sobre o punitivismo do Estado que muitas vezes não permite a análise das circunstâncias que envolvem uma suposta infração à lei. Punir é sempre é a melhor resposta para um fato típico?
Já a indicação do vereador tamandareense despertou risos e deu origem a uma porção de memes em redes sociais. Houve quem anunciasse uma manifestação de pacas na região do Pacotuba em solidariedade às parentes capivaras. Descontando-se as Brincadeiras, também este caso fornece margem para uma reflexão sincera.
A ideia do vereador Roque não é inédita. Basta uma pesquisa rápida no Google para se perceber que ações para controle populacional de capivaras são comuns em cidades com rios, lagos e lagoas. Seja por potencial risco econômico (afetação das plantações) ou por questões de saúde pública (capivaras podem causar a febre maculosa, que, em alguns casos, leva à morte) a vida sexual desses animais são preocupação de legisladores por todo o Brasil.
Em Belo Horizonte, por exemplo, em razão do grande número de capivaras na orla da Lagoa da Pampulha, o Ministério Público estadual (MPMG) e a secretaria de meio ambiente firmaram Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), com prazo de dois anos, para o manejo e a esterilização desses grandes roedores.
A indicação do vereador Roque, a meu ver, peca em um só ponto: falta substância à justificativa. O vereador aponta o potencial risco à economia tamandareense, uma vez que, por se alimentarem de plantações, as capivaras podem gerar prejuízos aos agricultores locais. Todavia o nobre parlamentar não se municiou de estudos técnicos que legitimassem tal preocupação. Afinal, quantas capivaras existem em Almirante Tamandaré? Quais são os impactos específicos que estes animais podem causar às plantações? Existe algum impacto ambiental implicado na esterilização das capivaras da região? Qual o custo para o poder público deste procedimento?
Veja-se que todas as medidas de manejo de capivaras em regiões de rios e lagos das cidades brasileiras sempre foram precedidas de estudos científicos feitos por universidades, para que se chegasse a um resultado eficiente e sem riscos ao meio ambiente. Desse modo, sem se duvidar da boa intenção do vereador Roque Luiz, a percepção é que lhe faltou maior cuidado na apreciação do problema para que a motivação da indicação fosse mais convincente.
A estas alturas o leitor mais atento deve estar pensando: afinal, o que tem a ver o caso de Filó e Tupinambá com Roque e as capivaras de Tamandaré?
Explico:
Na decisão que concedeu, em sede liminar, o direito de Agenor ficar com Filó, o juiz deixou claro que "não é Filó que mora na casa de Agenor", mas "o autor que vive na floresta". Tragamos a mesma lógica para a região dos minérios. Nesse caso é preciso diligência no trato com nossos animais silvestres, pois eles já viviam nessas paragens antes de nós. Cumpre a nós – animais pensantes – adotarmos todas as medidas para que as nossas boas intenções não afetem de maneira desproporcional a vida das pacas, cotias, capivaras, entre outros integrantes da nossa fauna.