No turbilhão de eventos recentes, o mundo político parece mais uma fervilhante panela de pressão, prestes a explodir sob o calor das eleições iminentes. A promessa de uma "nova política" ecoa pelos corredores do poder, mas a realidade, fria e implacável, mostra que, apesar de toda a retórica, estamos presos em um ciclo interminável de repetições, como bem ilustra o conhecido adágio: "tudo continua como dantes no quartel de Abrantes".
A traição, esse elemento tão humano e dolorosamente familiar, encontra um campo fértil na política. Ela se alimenta da esperança e da expectativa, germinadas pela promessa de mudança. O compositor Belchior, com sua perspicácia, captou essa essência em "Divina Comédia Urbana", descrevendo a desilusão de ver o sol prometido no quintal se transformar em tempestade. A política, com suas promessas não cumpridas, traz à tona a mágoa de sonhos desfeitos, personificando a traição de confianças depositadas.
Esse cenário de traição não é exclusivo da arena política, mas um reflexo da sociedade. A negociata eleitoral, onde votos são trocados por favores imediatos, revela uma verdade incômoda: o fisiologismo é uma estrada de mão dupla. O eleitor, buscando atender a suas necessidades pontuais, participa ativamente dessa troca, tornando-se cúmplice do sistema que critica. A ironia é que, ao conquistar o voto por meio dessa negociação, o político apenas espelha a prática de seus eleitores, perpetuando um ciclo vicioso de expectativas frustradas e governança questionável.
Belchior, novamente com sua visão aguçada, nos lembra em "Como Nossos Pais" que, apesar de nossos esforços para sermos diferentes, acabamos por repetir os padrões que juramos rejeitar. A mudança tão almejada na política parece um horizonte sempre distante, uma miragem que se desfaz ao menor sinal de aproximação. Este ciclo de repetições, de viver "como nossos pais", é um espelho de nossas próprias escolhas.
A lição talvez mais amarga, mas também mais vital, é a de que a verdadeira mudança na política começa com a mudança no eleitorado. A nova política só se tornará realidade quando refletirmos sobre nossas próprias ações e decisões, quando entendermos que cada voto é um tijolo na construção da sociedade que desejamos. Enquanto continuarmos a reproduzir os mesmos padrões, seremos eternamente confrontados com a imagem de um futuro que poderia ser, mas nunca será, se não mudarmos primeiro.
Neste momento de reflexão, é crucial que olhemos para dentro de nós mesmos e questionemos não apenas os políticos que elegemos, mas também as razões que nos levam a escolhê-los. Talvez assim, possamos finalmente quebrar o ciclo e caminhar em direção a uma política que reflita nossos mais nobres ideais e aspirações.