A manchete é: Gleisi Hoffmann apaga post após ser notificada por Cuca.
A manchete poderia ser: Petista muda de opinião sobre anulação de condenação e é notificada a apagar post com acusação a um descondenado.
Vamos ao contexto?
No início da semana, o Athetico Paranaense anunciou a contratação de Alexi Stival, o Cuca, para substituir Juan Carlos Osorio, demitido do comando do time no último domingo, 3 de março. O anúncio reacendeu uma polêmica que há muito tempo acompanha o novo técnico athleticano: o suposto envolvimento de Cuca em caso de estupro de vulnerável.
O caso teria ocorrido em 1987, em Berna, na Suíça, por ocasião de uma excursão que o Grêmio fez pela Europa. Dois anos depois, o então jogador Alexi Stival e outros atletas que teriam participado do crime foram condenados pela justiça suíça a 15 meses de prisão.
Muitas críticas vieram da própria torcida atheticana, principalmente da ala feminina. Porém houve também manifestações negativas por parte de pessoas alheias ao futebol. É o caso da presidente nacional do PT e deputada federal, Gleisi Hoffmann. Ela publicou no Twitter/X uma crítica ao Athletico Paranaense pela contratação de Cuca. No post, a petista se referia ao treinador como "o homem que estuprou uma criança de 13 anos e que nunca pagou por isso".
Em resposta, Cuca encaminhou à deputada uma notificação extrajudicial. O documento afirma que a publicação se baseia em informações "inverídicas e equivocadas" e solicita a retirada da postagem das redes sociais em duas horas.
A notificação informa ainda, que a condenação contra Cuca em 1989 foi anulada em janeiro de 2024, pois o julgamento se deu sem a presença de um advogado de defesa. O documento usa o termo "descondenado" para se referir à nova situação jurídica de Cuca e faz uma provocação à notificada: "Aliás, V. Exa. conhece bem os efeitos de uma descondenação".
Gleisi apagou o post original e publicou novamente, ainda com críticas ao Athletico pela contratação, porém sem mencionar a palavra estupro.
Gleisi teria mudado de entendimento?
A provocação que notificação extrajudicial faz à deputada petista se refere ao fato dela defender que Luiz Inácio Lula da Silva foi inocentado em todos os processos que corriam contra ele. Em setembro de 2021, Gleisi afirmou em uma reunião da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados que "o presidente Lula é inocente sim! E foi inocentado em todas as ações que foram consideradas em juízo". Na sequência, para defender seu argumento, ela evoca o princípio constitucional da presunção de inocência. Previsto no inciso LVII, Art. 5º, da Constituição, o princípio afirma que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
Veja-se que no caso de Lula, lá na CCJC da Câmara, Gleisi Hoffmann entendia que uma sentença condenatória anulada devolve ao sujeito à condição de inocente. Logo, para a petista, a anulação dos processos inocentou o presidente das condenações por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, embora a sentença anulatória nada dissesse sobre o mérito das acusações.
É questionável, mas é uma linha de argumentação possível.
Porém, agora, ao postar sobre o caso de Cuca, cá nas terras das araucárias, a deputada trata o treinador como criminoso. Oras, por onde anda a tal da presunção de inocência? O inciso LVII do Art. 5º foi retirado da Constituição? Certamente que não, pois se trata de cláusula pétrea, ou seja, que não pode ser revogada do texto constitucional.
Aqui não se compara condutas criminosas. Os crimes atribuídos a Lula de corrupção passiva e lavagem de dinheiro não se confundem com estupro de vulnerável atribuído a Cuca. O que se discute é a aplicação da presunção de inocência após a anulação de uma condenação. Por isso é válido o questionamento: Teria havido uma mudança de entendimento da parlamentar sobre o tema?
Assim como aconteceu com Lula perante o judiciário brasileiro, Cuca teve sua condenação anulada perante a Justiça Suíça. Nos dois casos, as anulações se deram por tecnicalidades processuais. Nas duas situações, as decisões anulatórias não entraram nos méritos das acusações. Não houve decisões que declararam Lula e Cuca inocentes das respectivas acusações. Aliás, em ambos os casos, os processos não puderam ser reabertos para reavaliar os méritos por conta da prescrição.
Gleisi é jurista e, portanto, a mim não causa estranheza uma eventual mudança de visão sobre o tema a essas alturas do campeonato. Contudo, por uma questão de coerência, o que se espera a partir de agora é que a deputada passe a chamar o presidente Luiz Inácio de corrupto. Pois, pau que dá em Cuca também dá em Lula, certo?
A menos que a opinião de Gleisi esteja condicionada ao personagem. Se assim for, para ela, Lula continuará inocente e Cuca continuará criminoso, pois entre a culpa e a inocência sempre estará a narrativa mais conveniente.