Bolsonaro provou mais uma vez que ainda consegue reunir muita gente nas ruas. O ex-presidente levou pelo menos 180 mil pessoas à Avenida Paulista, em São Paulo. Considerando um meio termo entre a contagem mais otimista e a mais cética.
A estética do evento bebeu na fonte das cruzadas pentecostais. Certamente isso se deve à influência de seu principal organizador, o pastor Silas Malafaia. Houve fundo musical para gerar comoção nos ouvintes e jogos de cena com Bolsonaro levantando as mãos para o alto. Uma foto que coloca o ex-presidente como a figura de um grande herói, um salvador.
Contudo, em que pese a aparência de cruzada evangelística, a pregação não foi de boas novas. O discurso de Bolsonaro, ao contrário do que apontam alguns analistas, não foi moderado. Foi, com efeito, comedido quanto à forma, com palavras muito bem escolhidas, de modo a parecer ameno, mas, nas intenções, manteve o habitual golpismo.
Descontando a exaltação ao mandato dele mesmo e a pesada crítica ao governo de Lula, sobrou espaço para Bolsonaro achar estranho um presidente eleito sem povo. O que é isso na visão do ex-presidente? É um presidente eleito por força de manipulação das urnas. É o velho e desgastado discurso contra o sistema eleitoral.
Em outro momento do pronunciamento, Bolsonaro afirmou que "teria muito a falar" e que as pessoas sabem o que ele falaria, mas a sua busca é pela pacificação.
Falou isso, naturalmente, sem querer atacar ninguém, sem querer falar mal dos ministros do STF, sem querer atingir as instituições democráticas. Porém todos sabemos como Bolsonaro pensa e o que ele poderia ter dito ao público da Paulista. Aliás, não há neste país quem não tenha ouvido pelo menos um discurso de conteúdo golpista pronunciado pelo capitão.
Então, não me venham com essa conversa mole de discurso moderado. O que se ouviu e viu na Paulista, ontem, foi o golpismo suavizado por um repertório de palavras bem escolhidas. O golpismo que se despiu da farda do autoritarismo para vestir uma capa de democracia.